03/07/2023

Blogar ainda é uma das minhas coisas favoritas

Cheguei aqui no último post pra falar de um biquíni e mil inseguranças depois de quase dois anos sem aparecer e depois saí andando como quem não quer nada, sem nem dizer um até mais, um com licença, um perdão por tudo. Eu não gosto desses “posts explicativos” tão comuns prestando satisfações depois de muito tempo sem publicar nada porque isso remete a obrigação e compromisso (efeito sonoro de gritos de horror ao fundo) e deve ser a ideia a que mais me oponho no blog desde que ele nasceu. Sempre foi essencial que este espaço fosse conforto e aconchego pra mim, como uma poltrona convidativa perto do fogão a lenha, uma coberta, uma xícara de chá esquentando em cima da chapa. Se o blog tivesse uma bíblia esse seria um dos dez mandamentos. Deus me livre deixar de ser divertido, virar obrigação, Deus me livre sentir que preciso dar satisfações.

Mas este texto é menos uma prestação de contas e mais uma conversa que eu queria ter há um tempinho. Pra quando chegar uma visita e eu não tiver dado sinal de vida há eras a pessoa leia e saiba que não abandonei o blog, em algum momento apareço de novo e tô sempre penadinho flutuando por aqui, dando reload na página só pra ficar admirando meu bloguinho cuticuti, os textos que já publiquei, os links na lateral, esse layout basicão que montei a trancos e barrancos há anos e que ainda me deixa com um quentinho no coração, porque amo esse tom azul-verde-acinzentado. Porque gosto mesmo de ter um blog, um cantinho, blogar ainda é uma das minhas coisas favoritas.

Eu queria poder passar boa parte dos meus dias por aqui, escrevendo e pensando sobre tudo que me faz sentir e acompanhando tanta gente legal, porque escrever é dessas coisas que devo fazer pra ficar em paz de vez em quando, prolongar sentenças ou colocar pontos finais. Sabe aquilo, propósitos de vida com os quais a gente nasce ou nos quais esbarramos (/tropeçamos) no caminho, ou chamados, ou sei lá como se queira nomear? É meio assim, e meio pretensioso pra quem não sentava a bunda na cadeira pra produzir um texto há mais de ano, eu sei, mas se eu pudesse faria isso o dia todo. Escreveria sobre o vento e sobre as folhas e sobre o tempo que embala os dois e sobre como isso tudo é feliz e também tão triste, triste e triste, e escreveria sobre todo o resto também, todos os dias, o dia todo.

Preciso de um lugar que sirva de abrigo pro acervo pessoal do que vivi/pensei/senti, meu cantinho.

E não é só escrever, gosto de estar aqui especificamente, na bLoGoSfErA. Sem querer ser purista ou pedante, mas criar TEXTOS(!!!) na era tiktok, escrever PALAVRAS que você tem que DIGITAR uma atrás da outra até formar um BLOCO de VÁRIAS PALAVRAS que você JUNTOU UMA POR UMA, é como preservar uma arte ancestral, não importa quão banal seja o tema, todo mundo fala sobre isso o tempo todo etc e é verdade. E estar aqui no meio de pessoas que ainda se prestam e se divertem espanando esse móvel antigo da internet chamado caixa de texto me deixa com um sentimento de pertencimento e camaradagem que afaga o cuoure. <3 Espalhados por tudo que é canto deste país continental, sinto que nos blogs somos vizinhos de cerca, desses pra quem pedir uma xícara de açúcar quando o de casa acaba no meio da receita de bolo. Talvez isso aqui seja a vila do Chaves.

Adoro visitar amiguinhos blogueiros, ver o layout que a pessoa escolheu, os posts sobre comédias românticas, rolês pobres, livros ruins ou colegas de trabalho insuportáveis, descobrir novos blogs no blogroll, escrever eu mesma sobre meus colegas de trabalho insuportáveis e todo o resto, enfim, fazer parte dessa linda rede de amor e ódio. =3 *-* ^-^ <3

Mas por que então eu sumi por tanto tempo, né?


Claro que a vida aconteceu como sempre acontece, mas sei que o motivo principal é que escrever, apesar de ser algo que amo profundamente, às vezes, quase sempre, é um processo bem penoso pra mim. É como escalar uma montanha, se tu me permite o clichê, e eu geralmente me acovardo; muito mais fácil ficar deitadinha na cama dando play em outro episódio da série da vez, minhas cobertas são confortáveis e quentinhas e a montanha é impiedosa e gelada. Sempre tenho receio de não conseguir transmitir o que quero dizer, não encontrar as palavras exatas que contornam esses sentimentos, por falta de raciocínio (talvez eu seja burra?) ou léxico ou talento (talvez eu seja medíocre?). Sempre acho que não vou chegar até o fim, que vou me perder entre os parágrafos, embaralhar tudo e ficar com um novelo emaranhado e irrecuperável no colo que vai ter que ir direto pra lata do lixo. Medo de descobrir que na verdade eu nem sou boa nisso, o que seria um baita fracasso pessoal, já que me importo com a escrita.

E por medo de não encontrar o texto e perceber que nem sei fazer isso direito eu me refugio no conforto da incógnita, do não saber, do talvez eu conseguisse escrever o que quero dizer hoje mas talvez não então é melhor nem tentar pra não descobrir. E aí não escrevo nada, e vou adiando, e os rascunhos mofam e dois anos se passam sem que eu digite uma palavra, mesmo pensando neste cantinho todos os dias.

É claro que estar exausta e sobrecarregada como todo mundo o tempo todo agrava esse desânimo. Perdi a conta das vezes em que pensei esse fim de semana vou escrever algo no bloguinho, porque quero e tô com saudade, mas quando o fim de semana chega e as quarenta malditas horas de trabalho já acabaram comigo eu vejo que só restou a vontade de descansar encarando o teto, eu mereço, eu preciso, o resto fica pra próxima... mas meio que não fica.

Outras pessoas já compararam a escrita ao parto, e pra mim a metáfora é perfeita, queria ter pensado nela antes, é assim que me sinto. Quando um texto nasce, tá pronto, eu o amo como um filho, mas antes disso teve perrengue; foi um pânico quando a bolsa estourou, a corrida até o hospital foi agoniante e as contrações eram terríveis. O parto é doloroso, mas é lindo quando o texto nasce, bem-vindo ao mundo, filhote (?????w????ww?????).

Nutro carinho por alguns posts daqui e os releio de vez em quando, congratulando a mim mesma de um jeito autoindulgente não porque ficaram ótimos, mas porque cheguei no fim, escalei a montanha, desemaranhei o novelo, consegui dizer exatamente o que eu queria dizer ou quase, ufa, deu tudo certo, ele tá pronto, agora já dá pra respirar aliviada porque consegui colocar pra fora. Às vezes abro o blog só pra ver eles publicados lindinhos ali na tela. Talvez seja vaidade; talvez eu só goste mesmo disso aqui. <3

Claro que essa resistência e o intervalo entre as publicações seriam menores se eu conseguisse levar os posts com mais leveza bem no estilo diarinho a que sempre me propus, mas tenho essa dificuldade, todo texto vira Um Grande Texto (na minha cabeça), em extensão e gravidade, não consigo só sentar e despejar as palavras sem pensar muito e publicar antes de reler mil vezes, revisar, encontrar sinônimos, termos mais apropriados. Quero ter o desprendimento de vir mais vezes pra postar qualquer bobalegrice, fazer trends (ainda usamos essa palavra?), falar como foi meu dia e o que estou pensando sem coesão alguma, como numa conversa com amigas numa mesinha de padaria ou comigo mesma no travesseiro antes de dormir. E quero ter ânimo pra escrever os ''outros textos'' também, escrever sobre o vento e sobre as folhas e sobre o tempo que embala os dois e sobre como isso tudo é feliz e também tão triste, triste e triste, e escrever sobre todo o resto também, todos os dias, o dia todo.

É por isso que fico anos sem dar as caras; partos são dolorosos, mas conversas de padaria não precisam ser. ;)

Mas eu tô aqui, é isso que quero dizer hoje. Mesmo se estiver há cinco anos sem postar, de um jeito ou de outro tô por aqui. Já escrevi antes, ''Este blog existe porque preciso de um cantinho assim pra mim. Apareço aqui muito menos do que gostaria, às vezes sumo por meses ou até anos, mas nunca vou embora de fato. Se um dia eu for, me despeço antes, porque eu não ia poupar o drama e perder a pauta.''.

Fico mexida quando clico num link de blog que eu costumava visitar e aparece aquela página dizendo que o site não tá mais lá, ou ocultado, ou substituído por um site bizarro de propaganda em uma língua com caracteres que desconheço?, porque é mais um cantinho que se vai, mais uma pessoa que se vai. Fico pensando pra onde, se tá bem, se vai voltar. E aí lembro que tô há tanto tempo sem escrever que quem entrar no blog agora vai achar que ele também tá abandonado juntando poeira e só esqueci de desativar a página, mas não, não pretendo que isso aconteça com o Krahelake, essa bagaça não vai sumir daqui tão cedo. =D

Escrevi um texto pro Blogueiros Raiz há pouco tempo, e se eu posso e se não for vergonhoso demais tarde demais kk ficar parafraseando a mim mesma sem escrúpulos, também vou deixar um pedaço dele aqui, outro resumo modesto sobre permanecer:

''[...] sei que vou seguir blogando porque preciso de um cantinho assim, algo que me proporcione muito mais liberdade criativa do que instagram, twitter e, Deus me livre e guarde, Facebook são capazes.

Eu preciso de um espaço pra escrever textos enormes sobre tudo e nada, qualquer coisa; pra modificar o layout à exaustão até deixar ele a minha cara e não uma página padronizada igual todas as outras da rede; um lugar que não apareça o tempo todo no feed de alguém e não me deixe desconfortável pensando que estou incomodando, porque acho que quem aparece no blog é menos por escorregão e mais de caso pensado disposto a encarar as consequências - muita vergonha alheia. E se eu preciso disso, deve ter muito mais gente como eu que precisa também, né? Quer dizer, não sou tão especial assim, rs.

Tem muitas formas de publicar textos e outros posts mega dinâmicos e cheios de personalidade na internet, é claro, e faço uso de várias delas. Mas blogar ainda é uma das minhas coisas favoritas.''

Não sei quando apareço novamente, se daqui a uma semana, um mês ou dois anos (espero que não), e nem se vou conseguir seguir qualquer uma das resoluções informais desse texto. Mas sei que apareço, quando a vida acalmar (rindo igual o Coringa) ou eu relaxar e escrever um post bobinho e despretensioso e amorzire e mais curtinho (posso ouvir um amém da igreja?) sem acabar transformando ele numa grande catarse em que sinto necessidade de esmiuçar todos os conflitos atuais da minha vida sem deixar passar nada, porque peloamordedeus, eu só queria fazer um meme e sentei no divã de novo. Ou talvez reapareça mesmo pra mais uma dessas grandes lavagens de roupa suja e terapia de sarjeta, se eu quiser. Porque se eu não puder fazer essas coisas, qualquer coisa, das totalmente desconexas às minimamente calculadas, aqui no meu blogspot.com de nosso senhor Jesus, onde mais faria, né? É pra isso que tenho o blog, afinal, sempre foi: pra que ele seja o que eu quiser. Pra que seja meu cantinho.

Eu apareço e não volto porque, me repito, dificilmente vou embora daqui de verdade, não num futuro próximo, e por enquanto nem poderia; a vida é um caos e eu sou meio dramática, tenho poucos amigos, sou pão dura e retraída demais pra ir pra terapia e gosto mesmo de escrever, então o jeito é ter blog diarinho.

11/04/2023

Vinte e cinco verões e um biquíni

Eu cresci muito complexada com minha aparência. Meu corpo me incomodava, minha escolha de roupas que sempre parecia inadequada me incomodava, minha postura me incomodava, meus movimentos desengonçados me incomodavam, meu nariz me incomodava, meu rosto inteiro me incomodava... Mas nada me dava mais vergonha do que a consciência lancinante de que todos notavam o tempo inteiro a minha total falta de seios (e bunda). Pelo menos foi o que meu cérebro martelou sem parar até pouquinho tempo atrás durante toda a adolescência.

Lembro do drama que foi quando ''a puberdade'' chegou e meus seios começaram a '''''''''crescer''''''''', entre todas as aspas, e eu não sabia o que fazer pra disfarçar aquele novo volume na blusa, já que só a ideia de usar sutiã me mortificava (porque obrigatoriamente seria precedida pela admissão em voz alta pra alguém, pra minha mãe, pra minha família, de que eiii, meus seios estão aqui, e Deus me livre fazer alguém olhar pra eles e NOTÁ-LOS) e parecia pretensiosa demais levando em conta o tamainhoinhozinho dos dois. Então eu sempre cuidava pra ter duas mechas espessas de cabelo cobrindo parcamente a região, pra dar uma disfarçada. Qualquer blusa (ou ocasião, Deus me livre e guarde) que me deixasse mais à mostra era motivo de pavor.

Acho que eu percebi logo que não teria seios grandes, não teria nem seios médios, seriam bem pequenos mesmo, mal estariam ali CADÊ ELES etc e foi uma constatação muito frustrante, como uma grande promessa quebrada quando eu mais precisava dela, algo como descobrir que Papai Noel não existe - pelo menos não pra mim.

Eu esperei com ansiedade O momento em que eu finalmente teria seios como se isso fosse me conceder algum poder especial, marcando o rito de passagem definitivo que finalmente me tornaria uma mulher de verdade, dessa vez pra valer, uau!, mas esse dia não chegou. Soube que uma conhecida realizou um procedimento de redução dos seios porque os dela eram enormes e já estavam causando dores nas costas e problemas na coluna por causa do peso e fiquei completamente abobalhada com a notícia; pra umas tanto e para outra tão pouco?! Eu via que os seios de alguma amigas já ESTAVAM LÁ e me perguntava por que justo eu tive que ser marcada pelo azar, escolhida pra carregar a cruz dos seios pequenos, minúsculos, quase inexistentes e por favor, Deus, eu só quero ter seiosssssssss, por favor, me deixaaaaaaaaaaaaaa.

Os seios de verdade nunca vieram. E pra sempre eu fiquei insegura com o tamanho dos meus.


Pra sempre até agora, na verdade. 
Porque a vida mostrou que pode ser bem pior do que só uns seios pequenos, graças a Deus (que?), e vinte e cinco anos na cara já me serviram pra superar bastante essa frustração. Sei lá, umas contas pra pagar, insatisfações com o futuro-presente, daddy issues dos brabos, quarenta horas de trabalho semanais completamente triturantes que sugam toda a minha alma e, por que não?, enfim um pouquinho de autoestima, pra variar, ajudaram a fazer esse probleminha parecer cada vez mais pequeno até eu perceber que ele nem era um problema, afinal.

Eu acharia bem legal ter seios grandes? Sim. Eu até queria ter seios grandes? Sim. Mas eu ainda sofro porque os meus são pequenos? Olha, não sofro, dá pra viver mais que bem com eles. Foi um processo muito lento, tartarúrgico, de aceitação, mas acho que tô num degrau muito próximo do totalmente ok com isso. 😀👍

Ainda não tive o papo sobre sutiã com a minha mãe porque ela já faleceu (saudades) e porque percebi que não preciso mesmo, olha só. Nunca uso sutiã, devo ter só uns dois pra ocasiões muito atípicas. Uma sorte, eu sei; o troço incomoda pra caramba, mesmo contando com a infindável capacidade de resiliência humana eu não acho que ia me acostumar. No que depende de mim os outros podem se virar bem com qualquer marca de mamilo nas minhas blusas, eu não estou ligando muito, todo mundo tem etc.

Mas, apesar de já estar de boa com meus peitos pequenos há um tempinho, eu nunca, nunquinha tinha usado biquíni na praia. E já são vinte e cinco anos de estrada, sabe. Vinte e cinco verões, várias praias, mas nenhum biquíni completo, nunca.

Até agora, de novo. ;)

Durante muito tempo eu tive um problema com praias também, não por acaso. Porque me queimo sempre não importa quantas toneladas de protetor solar eu passe; porque sou friorenta e as praias aqui do RS são um gelo, mal aguento vinte minutos dentro da água; porque a gente sai com areia em todos os orifícios e só tá pronta pra vida de novo depois de um banho longo que condena todo o piso da casa a virar valão; porque sempre achei pouco prático. As inconveniências não valiam pelo que eu conseguia aproveitar em troca e a maioria das minhas lembranças de viagens à praia na infância eram de medianas a ruins. Mas o que mais me deixava desconfortável em ir à praia, eu sempre soube, era ter que deixar meu corpo à mostra, meus seios, minha bunda. Eu nunca fazia isso; optava por shortinhos e um cropped ou top bem levinhos, o que também não era legal porque eu sentia que isso chamava a atenção e que todos captavam a minha insegurança gritante. Em suma, ir à praia era uma provação.

O verão de 2023, esse que passou agorinha, foi o primeiro verão em que usei biquíni na praia, na vida. Não foi nada demais, porque ninguém liga de verdade, ninguém estava olhando mesmo, minha magreza e falta de curvas não são tão especiais assim. Mas foi tudo também, porque eu finalmente tava bem, me sentindo ok e em paz com isso, e nem a noção insistente de que todo mundo no ambiente tinha acesso visual à minha bunda me incomodou, quem liga, ESTAMOS NA PRAIAAA. \o/

Foi legal usar biquíni, finalmente. É engraçado que eu tenha demorado tanto, vinte. e. cinco. anos. pra me sentir confortável o suficiente em meu próprio corpo pra fazer isso, algo tão banal. Sei que todas as mulheres de todos os tipos e corpos que vi de biquíni na praia totalmente de boas esses anos todos me ajudaram a deixar o shortinho e o cropped de lado, mesmo quando me era totalmente incompreensível elas se sentirem tão bem e à vontade, magrinhas e gordinhas, com peitos enormes ou pequenos como os meus, dentro de um biquíni. Mesmo se na verdade elas não estivessem se sentindo tão confiantes assim, mas estivessem tentando mesmo assim. Estamos quase lá.

Ainda acho que sou mais de campo, mas fiz as pazes com a praia.

Tem meio uma piada com as praias aqui do RS, que são horríveis, feias, água de aparência suja e temperatura ruim pra banho, muito gelada. E se tu cresce e fica só aqui nem sabe que tem coisa muito melhor no resto desse brasilzão, não tem noção de quão tosqueiro nosso litoral é por falta de outros parâmetros, nem sabe o que é praia de verdade. Eu só descobri que nem todas as praias eram... hãn... assim depois dos quinze. Já tive o privilégio de ir a dois estados do Nordeste até agora (Bahia e Pernambuco, amoamo)(todos os meus pensamentos e conversas terminam nisso, é meu único traço de personalidade) e conhecer e tomar banho nos PARAÍSOS de lá, então já descobri quão azarados somos aqui embaixo. Só soube o que era banho de mar de verdade quando fui à Bahia, porque em Tramandaí, Arroio do Sal e Quintão Beach eu não sei o nome do que eu tava fazendo, mas era outra coisa. Deus abençoe Trancoso.

Só tem uma praia aqui no RS que se salva um pouco e que o pessoal geralmente diz ser melhorzinha, e que ironicamente fica na última cidade do estado que faz divisa com nossos vizinhos catarinenses (na verdade não é ironia, é geografia, é a a consequência de sermos amaldiçoados em praias pura e simples; a única boa tá quase fugindo daqui): a praia de Torres.

Em 2023 meu veraneio (um deles, eu já disse que FUI A PERNAMBUCO??!!!!111!!!11??111!?) foi lá, no apartamento de família de um boyzinho, de um homi, de um macho (hehe). Foi muito bom, daqueles dias que nos transportam pra uma dimensão com aura de paz e felicidade contínuas, tanto que na hora de partir dá pra sentir um feitiço se quebrando. Foi mesmo muito bom.

Lá eu descobri minha praia favorita do RS, talvez a única que eu goste de verdade e que me assalta com a vontade de voltar, a Praia da Guarita. Teve banho de mar, teve trilha, teve a vista linda da sacada, teve passeios pra fotografar com a Canon, teve milho com manteiga pingando na areia, teve sessões de cinema, teve pizza de supermercado e massas medianas, teve risadas e sonecas, teve bolo de maçã de receita pra preguiçosos no youtube, teve algumas inseguranças mas elas já não são mais tão grandes quanto já foram e sinto que vão ficar cada vez menores, e teve um biquíni lindo com todas as minhas cores favoritas, finalmente.

02/04/2021

Noventa e nove por cento

Acordei para um dia perfeito. Eu tinha marcado há semanas com uma amiga que nos encontraríamos na Feira do Livro de POA seguindo a tradição que quero emplacar e que agora completaria joviais dois anos de vida. Lembro que estávamos com medo da chuva que vinha ameaçando aparecer e tínhamos olhado dúzias de vezes a previsão do tempo naquela semana, contando os dias apreensivas, mas o sol e o frescor que tinham nascido com aquele 15 de novembro eram absurdamente convidativos e carregavam consigo o chamado inconfundível dos dias perfeitos.
Levantei da cama animada com os mil planos e passeios e livros e lanches e ideias pipocando na minha cabeça. Vesti a roupa que preparei só pra isso (ultimamente tenho sido uma pessoa que faz isso, estranhíssimo), uma blusa de botões do Mario (não sei falar esse nome sem pensar na piada infame, me perdoa) ridiculamente colorida, e calcei a alpargata de Hobbit que comprei na praia nas últimas férias por um preço ridículo (pensei que ela dissolveria depois do primeiro uso, feita de papier maché), num impulso de adquirir algo que eu nunca compraria em circunstâncias normais, porque aquele brilho não é pra mim. Tenho predileção por cores sóbrias mas queria que aquele dia fosse especial, mais um ao qual quis emprestar forçosamente ''ares de renovo'', e no figurino eu certamente atingi a meta.
Estava a perfeita representação da expressão ''feliz e saltitante'', como não lembrava mais qual tinha sido a última vez.
Ajeitei a bolsa, a blusa, o calçado, a cara, o cabelo e então lembrei que com um dia de sol daqueles seria insensatez sair de casa sem nada pra segurar as madeixas se o desespero batesse, e então minha mente distraída me levou pra ideia rotineira e natural, ''vou pegar a piranha da mãe'', já que tu deixa sempre uma piranha presa na cabeceira da cama, mãe, quando solta os cabelos antes de deitar pra dormir.

Deixava, soltava, deitava, dormia. Esses verbos no passado são cruéis, sabe.

Nos dias perfeitos eu esqueço que você se foi, porque a tua partida não combina com eles e os parte ao meio, os dois não coexistem. Então minha mente escolhe um desses cenários e bloqueia o outro, e assim acordei num dia que, por ser perfeito, exigia, naturalmente, que você ainda estivesse aqui - pois claro, pois óbvio, pois é assim que as coisas têm que ser e sempre foram, ora.
E se você ainda estava aqui certamente teria deixado uma piranha presa na cabeceira da cama que está quebrada até hoje desde que nós, os teus quatro filhos, pulamos aquela vez, há uma vida atrás - tenho saudade.
Então eu fui procurar a piranha, e estranhamente (ou não, eu não sei) ela estava mesmo lá, exatamente onde tu deixava. Uma piranha transparente que muda de cor quando exposta ao sol. Mágica, tua.
Parei e olhei para aquele objeto tão simplório que agora continha em si um significado tão grande e fiquei inerte percebendo e assimilando dolorosamente, como quem sente um veneno caminhando lentamente pelas veias, que meu dia não era mais perfeito, não podia ser. Estendi a mão e desenganchei a piranha da cama, e nesse meu movimento, com os braços esticados, o tempo parou e por alguns segundos fiquei total e completamente ciente da brutalidade do momento. O dia perfeito desmoronou ao meu redor como um castelo de cartas ao vento, e eu vi direitinho cada pedaço dele caindo em câmera lenta, me deixando ali, olhando pra essa metáfora pronta estilhaçada aos meus pés.

É engraçado como é nos momentos mais bonitos que penso em ti, porque não achei que seria assim e sempre me surpreendo. Quando olho para uma paisagem nova, uma arquitetura bonita no centro histórico, quando sinto os raios de sol sobre minha pele e o vento entre meus cabelos. Achei que eu pensaria mais em ti quando estivesse no fundo do poço deitada na cama e com o nariz escorrendo de tanto chorar com o mais recente fracasso que entrou na coleção, fosse ele qual fosse, porque seria quando eu mais sentiria tua falta e precisaria do teu colo, mas não; tua lembrança me assalta nos momentos e dias perfeitos, a beleza da vida é o que te atrai à minha mente. É assim mesmo que deve ser.
Repentino, sem aviso, teu rosto surge pra mim, se sobrepondo ao céu, ao mar, às árvores e a todas as coisas lindas que cruzam meu caminho e me fazem parar pra suspirar, fechar os olhos e tentar absorver com todos os sentidos aquela paisagem, o momento, as pessoas e os sentimentos, imaginando como seria se tu ainda estivesse aqui, querendo de volta o que eu perdi, o que antes era tudo e agora pode ser no máximo quase, porque não dá pra ser completo se tu não estiver aqui, mãe.
Gosto das tuas visitas, apesar de elas ainda trazerem muita dor, apesar de ser impossível escrever isso sem ficar com os olhos marejados olhando pro teclado e apesar de não poder mais ir a lugar nenhum sem um amontoado de lenços escondidos no bolso porque nunca sei quando a memória de quem tu foi vai me fazer parar pra enxugar as lágrimas.
E como, apesar de tudo, quero que os apesares continuem, uma vez que eles representam tua lembrança, saí daquele momento estático e brutal e juntei todos os pedaços do dia quase perfeito que tinha se estilhaçado e os remendei de um jeito bobo, confuso e falho, mas sincero, pra tentar continuar como consigo, desse jeito que eu sei que nunca mais vai ser 100% (99 talvez, mas nunca, nunca 100), nunca mais vai ser perfeito.

Então, no meu dia agora feito de um punhado de quases remendados, pensei em ti no meio de tantas pessoas e livros, pensei em como seria te dar um livro infantil quando passei pela seção, pensei em ti olhando os quadros no MARGS, as esculturas do museu, pensei em ti subindo as escadas comigo, passeando no shopping, comendo hambúrguer, comprando um lindo colar de plantas em resina, carregando as sacolas cheias e pesadas como fazíamos na lomba do mercado e pensei em ti olhando pela janela do ônibus ao voltar pra casa, claro.
E, ainda pensando em ti, dormi imaginando como seria se o quase pudesse ser tudo de novo.